Passa do meio dia quando as paquetes - pequenas
embarcações usadas na pesca - atracam na praia. O retorno é mais rápido que o
habitual e vem novidade também na carga. Em vez da lagosta, que por décadas foi
o fruto mais cobiçado das águas de Rio do Fogo, no litoral Norte potiguar, um
molusco ganha status de prato principal: o polvo. E a mudança não se restringe
ao produto. O formato e a percepção de uma atividade perpetuada através de
gerações também evoluem para tornar-se sustentável.
A pesca artesanal antes feita por mergulho é,
aos poucos, substituída por pequenos potes de polietileno depositados,
estrategicamente, no mar. O método é fruto de projeto de pesquisa
desenvolvido por biólogos da Universidade Federal do Rio Grande do Norte junto
a população nativa.
O município distante 79 quilômetros de Natal e
de pouco mais de 10 mil habitantes é o maior produtor de polvo do Estado. Por
ano, em média, são produzidas 82 toneladas, segundo estimativas do Ibama que
monitorou a produção estadual até 2011.
A pesca artesanal do polvo é fruto de projeto
de pesquisa desenvolvido por biólogos da UFRN junto à população nativa de Rio
do Fogo
A drástica queda do rendimento da pesca da lagosta, imposta
por restrições ambientais e durante o defeso, somada à necessidade de sustento
em períodos de “água suja” - jargão usado para o mar bravo ou quando a chuva e
os ventos tiram a visibilidade da água -, explica a bióloga responsável pelo
projeto Lorena Cândice de Araújo Andrade, fez do experimento científico uma
alternativa viável e rentável, superando a desconfiança inicial dos caiçaras.
“Quando começou não tinha fé que funcionasse.
Como jogar um pote traz o polvo? Mas tem sido a melhor opção para nós, nessa
época de mar bravo e sujo, que vai de maio até agosto, sem falar no defeso”,
frisa o pescador Geraldo Rodrigues do Nascimento, de 45 anos, que
conta que na primeira despesca teve um rendimento em 80% dos
apetrechos.
O período de defeso do crustáceo, de janeiro a
abril, coincide com a época melhor pesca do polvo em função das águas limpas,
explica a bióloga, e se prolonga ao período de chuvas e ventos, impedindo a
pesca. “Se não fosse o projeto, estaríamos em dificuldade, só com a pesca de
peixe, que não é o nosso ramo”, completa João Batista dos Santos Ferreira, de
47 anos. O quilo do polvo vendido na região, pelos pescadores, varia entre R$
13,00 a R$ 22,00.
Os potes revestidos com cimento e amarrados ao
espinhel funcionam como abrigos que atraem os animais para o interior, onde se
alojam e são capturados quando a corda é içada. A pesca é feita a cerca de 8
metros de profundidade, em campo de cascalhos.
O procedimento, observa os trabalhadores, é
menos cansativo e arriscado do que “descer (mergulhar) de peito livre e uma
garantia já que não consegue mais a lagosta como antes”, afirma Geraldo.
O sistema foi introduzido na comunidade há cerca
de um ano, e a coleta é feita a cada 15 dias, devido o baixo número de
equipamentos. O projeto é desenvolvido com cerca de 20 pescadores artesanais e
conta com 400 potes.
A ampliação esbarra em dificuldades financeiras.
“Se tivéssemos uma linha de crédito para compra de potes e corda, poderíamos
aumentar a produção e a renda, sem falar no respeito a natureza”, frisa
João Batista. Cada pote é adquirido ao custo de R$ 3,00 a R$ 5,00, sem contar
os custos com a corda e cimento. Em meio a falta de recursos, muitos pescadores
inovam com a confecção dos artefato, à base de garrafas pet e de telhas.
Controle garante preservação
A difusão do conhecimento e da preservação do
meio é o mais importante, na avaliação da bióloga. A preocupação é ainda maior
porque a região de Rio do Fogo está inserida em Área de Preservação Ambiental
(APA). “Não há como pensar desenvolvimento de um atividade econômica sem
melhorar a vida das comunidades e sem garantir a preservação do meio”, disse.
Para garantir reservas futuras e manter a
posição de principal produtor, somente os moluscos a partir de 600 gramas
são depositados na embarcação. Abaixo do tamanho e peso recomendados são
devolvidos ao mar. Isso impede que animais pequenos ou fêmeas que ainda não
reproduziram sejam abatidas.
O cuidado, explicam eles, é resultado do trabalho
de educação ambiental difundido pelos pesquisadores para garantir a reposição
da espécie. “Se a gente não fizer assim, vai acontecer o mesmo que
ocorreu com a lagosta, vai sumir”, alerta o pescador Josimar Clemente de
Oliveira, mais conhecido como Mano. O pescador continua com a pesca por
mergulho, alternando com as idas a coleta nos potes, mas passou fazer a seleção
do produto que pode ser retirado para comercialização e sustento. “Não era
pesca sustentável”, conclui.
Molusco é facilmente negociado
Até bem pouco tempo atrás, o polvo era
mercadoria secundária pescado apenas quando encontrado durante a pesca
artesanal da lagosta. Hoje, atravessadores e consumidores se posicionam na
praia para a escolha do produto fresco, que é rapidamente negociado e segue
para abastecer, sobretudo a rede hoteleira e de restaurantes no Ceará, Alagoas
e Pernambuco.
Com a escassez da lagosta, o polvo que era tido
como “fauna acompanhante” tem um forte papel para a sobrevivência e crescimento
da região, explica a bióloga Lorena Candice de Araújo Andrade, cujo projeto de
doutorado em ecologia é a alternativa sustentável à pesca do crustáceo, testada
em Rio do Fogo.
O polvo encontrado na costa potiguar é diferente
do cultivado na região Sul do país. Em Rio do Fogo, a espécie octpus insularis
está sendo catalogada e analisado o potencial para exploração comercial e
consumo. O trabalho envolve o aspecto socioeconômico e ambiental, com o
mapeamento da atividade pesqueira e análise da cadeia produtiva para
transformar modelos tradicionais de atividades em negócios sustentáveis.
Com base nesses estudos, explica o pró-reitor de
pesquisa da UFRN, Valter Fernandes, a ideia é fomentar subsídios para as
comunidades pesqueiras da região, promover desenvolvimento sustentável e racional
do recurso natural.
A pesca com potes, prática recorrente na costa
de países europeus, foi testada em Rio do Fogo com coleta (idas ao mar para
recolher os animais) a cada sete, 15, 21 e 28 dias e em todos eles houve
aproveitamento média de 10% de cada espinhel, com cerca de 60 potes cada um,
detendo um a dois polvos. “Não é tão rentável quanto o modelo convencional, à
mergulho”, admite a bióloga.
Contudo, o resultado é considerado positivo uma
vez que a pesca não é induzida, sem uso de iscas e produtos químicos que
contaminem o mar. “Se feita em grande escala, digamos com mil a 10 mil potes,
10% é boa produção”, afirma.
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