Os
Ministérios Públicos de pelo menos sete estados investigam a empresa
Ympactus Comercial Ltda. ME, conhecida pelo nome fantasia Telexfree, por
suspeita de prática de pirâmide financeira, com “investimentos”
estimulados por meio de um sistema chamado de “marketing multinível”.
Entenda a suposta fraude
O que é a Telexfree?
A empresa Ympactus Comercial Ltda. ME, conhecida pelo nome fantasia
Telexfree, com sede no Brasil no Espírito Santo, diz atuar com prestação
de serviços de telefonia VoIP (por meio da internet).
Divulgação do produto
Para tornar o serviço conhecido, a empresa vende pacotes a
“divulgadores”, que compram e revendem contas e “recrutam” novos
revendedores. A divulgação é feita principalmente pela internet.
Compra de direito
Para tornar-se um divulgador, o interessado precisa pagar uma taxa de
adesão e comprar os pacotes de contas, que custam a partir de US$ 289.
Ele convence outras pessoas a participarem, que também investem
dinheiro, e proporcionam comissão a quem convidou.
‘Pirâmide Financeira’
Avaliações do MPF e do Ministério da fazenda apontam que a atividade
comercial da empresa não é sustentável no longo prazo e evidencia
prática conhecida como “pirâmide financeira”, o que é considerado crime
contra a economia popular.
Investigações
O caso é investigado pelos MPs de ao menos sete estados (Acre, Bahia,
Espírito Santo, Mato Grosso, Minas Gerais, Pernambuco e Santa
Catarina).
Segundo as investigações, a empresa teria montado um esquema de
pirâmide, em que cada novo membro compra um “pacote” que remunera os
membros acima na cadeia. Esse novo membro, por sua vez, ganha dinheiro
recrutando outras pessoas para o sistema.
(Veja no quadro ao lado como isso funciona.)
De acordo com o advogado da empresa, Horst Fuchs, a Telexfree atua
com prestação de serviços de telefonia VoIP (por meio da internet). Cada
conta custa US$ 49,90 (cerca de R$ 100) e permite o uso ilimitado por
um mês.
Para divulgar o produto, a empresa adotou um sistema de venda direta
remunerada, explica Fuchs. Para se tornar um “divulgador”, o interessado
precisa pagar uma taxa de adesão de US$ 50 (cerca de R$ 100). Com isso,
ele pode comprar pacotes de contas com desconto. Um pacote com 10
contas custa US$ 289 (quase R$ 600) e um com 50 contas custa US$ 1.375
(cerca de R$ 2,8 mil).
Os valores são estabelecidos em dólares porque a prestadora de
serviços, a Telexfree, fica nos Estados Unidos. No Brasil, a Ympactus
faz a gestão administrativa, esclarece o advogado. A remuneração aos
divulgadores, contudo, é depositada na conta bancária de cada um em
reais, explica.
Para “lucrar”, o divulgador precisa vender essas contas aos usuários
interessados e estimular que eles também se tornem revendedores, em um
sistema chamado de “marketing multinível.” A divulgação é feita
principalmente pela internet.
“Essa pessoa pode revender essas contas, cada uma delas a R$ 100. Ela
já ganharia quase R$ 500, já tem uma receita”. Além do ganho com as
vendas, cada divulgador recebe 2% de comissão das vendas de outros
divulgadores indicados por ele em até cinco “níveis” (a pessoa que vende
proporciona 2% de comissão para os cinco divulgadores que estão acima
dela na rede). Essa comissão, de acordo com Fuchs , é paga pela empresa.
“É multinível porque eu remunero até cinco para cima. Isso é para
incentivar formar um grupo coeso, com todo mundo anunciando, divulgando e
consumindo”, explica Fuchs.
De acordo com o advogado, os divulgadores têm um ano para revender os
pacotes e, caso isso não aconteça, o contrato expira. Se o divulgador
tiver interesse, ele pode adquirir novos pacotes e revender novamente.
O que dizem os órgãos públicos
Análise da 3ª Câmara de Coordenação e Revisão (Consumidor e Ordem
Econômica) do Ministério Público Federal (MPF), no entanto, apontou que a
prática comercial da empresa não é sustentável no longo prazo e
evidencia ser uma pirâmide financeira. Segundo a análise, o caso tem
similaridade com casos de “compra premiada”, no qual se considerou
existir pirâmide financeira, uma atividade irregular.
Na pirâmide financeira, o divulgador faz um pagamento para se
associar ao sistema, e tem a promessa de recompensa vinda do
recrutamento de outras pessoas – que, por sua vez, deverão recrutar
outras. No final, o dinheiro percorre a pirâmide, e apenas os indivíduos
que estão na ponta do negócio – o idealizador e poucos investidores –
ganham. As pessoas que estão na base do esquema assinam o plano, mas não
são capazes de recrutar seguidores.
A Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae) do Ministério da
Fazenda também apontou que o modelo de negócios da Telexfree sugere um
esquema de “pirâmide financeira” – o que é crime contra a economia
popular.
“A oferta de ganhos altos e rápidos proporcionados principalmente
pelo recrutamento de novos entrantes para a rede, o pagamento de
comissões excessivas, acima das receitas advindas de vendas de bens
reais e a não sustentabilidade do modelo de negócio desenvolvido pela
organização sugerem um esquema de pirâmide financeira, o que é crime
contra a economia popular, tipificado no inciso IX, art. 2º, da Lei
1.521/51″, informou a Seae.
A Seae também informou que não foi comprovada a parceria entre a
Ympactus Comercial Ltda. ME, conhecida pelo nome fantasia Telexfree, e
operadoras de telefonia móvel ou fixa – o que seria necessário para
garantir a prestação do serviço de VoIP (voice over IP), conforme
ofertado pela empresa.
Com base nas informações prestadas pela empresa, a Seae informou
concluir que estão presentes “indícios” de duas possíveis
irregularidades na relação comercial entre a Telexfree e os divulgadores
membros da rede da organização. São elas: o estímulo à economia
informal e a exigência de exercício de duas atividades laborais (como
divulgador e como comerciante) para o recebimento de apenas uma.
A Seae informou ainda que a descrição das atividades econômicas
principal e secundária da empresa não a autorizam a praticar atividades
de comércio. Por fim, informou que encaminhará suas conclusões ao
Departamento de Polícia Federal e à 3ª Câmara de Coordenação e Revisão
do Ministério Público Federal, para que estes órgãos, caso entendam
necessário, “promovam as devidas investigações sobre o caso”.
Telexfree se defende
A Telexfree, que no Brasil tem sede no Espírito Santo, nega qualquer ocorrência de fraude.
Ao
G1, Fuchs disse que “a venda de pacotes de
telefonia VoIP conta com a indicação de consumidores que são remunerados
à exata medida de novos consumidores” e que “a recompensa é resultado
da indicação e não da adesão”. “O marketing multinível, quando remunera
sobre o consumo e não sobre o valor das adesões, não configura,
obviamente, uma pirâmide financeira”, afirmou o defensor.
Fuchs disse entender que “a Telexfree não realiza vendas premiadas,
pois todos os que indicam consumidores, e também estes, realizam a
compra de contas VoIP, gerando bonificações aos que indicaram”.
Questionada pelo
G1, a empresa não forneceu um e-mail ou telefone para reclamações (leia abaixo nota da empresa).
Ao
G1, a Telexfree disse que não faz captação
antecipada, não sendo, por isso, obrigada a ter autorização da
Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae) para atuar. A empresa
afirma ainda que “não pratica a venda de bens ou serviços, motivo pela
qual não necessita obter autorização de atividades de comércio” e que a
entrega das contas VoIP “é efetuada diretamente pela Telexfree dos
Estados Unidos aos consumidores em qualquer lugar que se encontrem”.
A empresa negou incentivo à economia informal, assinalando que
informa à Receita Federal a renda das pessoas físicas. A Telexfree
assinala ainda que que o divulgador, ao assinar o contrato, “está ciente
dos termos da atuação e de quanto receberá por ela”.
O que acontece agora
O Ministério Público Federal (MPF) afirmou que a competência para tratar
do caso é estadual, mas disse que irá acompanhar o andamento das
investigações em cada estado.
O MPF irá acionar a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para
verificar se o caso pode ser inserido em instrução que dispõe sobre o
registro de distribuição pública de contratos de investimento coletivo –
com isso, o MPF poderia entrar na investigação.
A
Secretaria
de Acompanhamento Econômico (Seae) do Ministério da Fazenda, por sua
vez, também informou que não tem competência para autorizar ou
fiscalizar as atividades da Telexfree em território nacional, mas
que encaminhou conclusões sobre sua análise do caso tanto para o MPF
quanto para a Polícia Federal, para que “caso entendam necessário,
promovam as devidas investigações sobre o caso”.
No Acre, o
MP instaurou um inquérito civil em janeiro,
por meio da Promotoria de Defesa do Consumidor. Segundo a investigação,
“as irregularidades nos anúncios postados indicam a formação de
pirâmide, o que constitui risco eminente aos interesses econômicos dos
investidores; além das cláusulas abusivas no contrato de adesão a que os
anunciantes são submetidos”. A apuração permanece em andamento, diz o
MP.
Em Pernambuco, o MP começou a atuar após o Procon receber denúncias e
a promotoria do Consumidor repassou o caso ao MPF, informou o órgão. No
Espírito Santo, a apuração ocorre em conjunto entre o MP e a Polícia
Civil.
A
Delegacia de Defraudações e Falsificações (Defa) informou que já
começou a ouvir depoimentos de funcionários da empresa e de divulgadores, que reclamam ter investido mais de R$ 3 mil e não tiveram o retorno prometido.
No Mato Grosso, a investigação do Ministério Público começou em Lucas do Rio Verde, a 360 km de Cuiabá,
após o Procon receber mais de 2 mil reclamações nos últimos três meses. No estado, até mesmo policiais civis e militares já teriam aderido. A apuração também está em andamento.
Na Bahia, o Ministério Público Estadual disse que iniciou
investigações sobre o caso no dia 11 de março. Em Minas Gerais, o MPE
confirmou que há uma investigação em curso sobre a empresa e o
G1 aguarda detalhes sobre o caso.
O
G1 pediu posição da PF, da Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor (Senacon), do
Ministério da Justiça e da CVM, assim como do MP e do MPF de Santa Catarina, e não recebeu resposta até a publicação desta reportagem.
Orientações aos investidores
O Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da
Justiça e a CVM divulgaram um boletim dando dicas para o consumidor não
cair em fraudes. Estar bem informado é o primeiro passo para escapar dos
investimentos irregulares.
O documento orienta a proteger a informações, como as senhas, e
desconfiar de promessas de retornos elevados com baixo risco. Em caso de
irregularidades, o consumidor deve procurar o Procon do seu Estado ou
apresentar uma denúncia pela internet no site da CVM através do “Serviço
de Atendimento ao Cidadão” na parte “Fale com a CVM”.
Veja abaixa a íntegra da nota enviada pela empresa ao
G1:
“Esclarece a Ympactus Comercial Ltda, em razão da nota de
esclarecimento sobre as atividades da Telexfree exarado pela Secretaria
de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda os seguinte pontos:
1. Confirmou-se que a Telexfree não faz captação antecipada e,
por tal razão não está obrigada a obter a autorização daquela
Secretaria;
2. A Telexfree não pratica a venda de bens ou serviços, motivo
pela qual não necessita obter autorização de atividades de comércio; a
entrega das contas VoIP é efetuada diretamente pela Telexfree dos
Estados Unidos aos consumidores em qualquer lugar que se encontrem; em
outros termos, é naquele paíse que ocorre a prestação de serviços VoIP.
3. Como a realização dos serviços é efetuada nos Estados Unidos a
partir do acesso à internet, os usuários que adquirem as contas é que
devem contratar, individualmente seu serviço de Internet; ademais, a
contratação de carrier é efetuada também por que presta o serviço, isto
é, pela Telexfree dos EUA
4. Não há incentivo de economia informal, uma vez que a renda que
um divulgador obtém é informado diretamente à Secretaria da Receita
Federal como sendo renda de pessoa física e assim é tributado, com
retenção na fonte e devido recolhimento, de acordo com a tabela própria
do Ministério da Fazenda;
as atividades que o divulgador realiza voltam-se apenas para os pacotes
que adquiriu e pretende revender, desta forma, ao aceitar os termos
gerais do contrato, o divulgador está plenamente ciente de sua atuação e
quanto receberá por ela.
5. Os valores das bonificações são na exata proporção dos
serviços que o divulgador realiza, não podendo ser configurados como
excessivos já que o regulamento geral estabelece os percentuais cujo
valor já se encontra embutido no custo total das contas VoIP
oferecidas”.